domingo, 20 de abril de 2025

PALAVRAS DE MÃE


PALAVRAS DE MÃE


Um punhal cravado no peito
quando sem flores ela lançou: 

Pro relacionamento ser abusivo 

não é só com agressão.

Eu lembro bem a primeira vez que vi ele gritar com você. 


Meus olhos mergulharam
em profundas águas

Os ouvidos relutantes

se dobraram
às concretas e ásperas palavras

 

Das cicatrizes silenciadas, 

dos ossos recalcitrados, 

do riso esquecido, 

de toda uma vida marcada.


Despiu o que no fundo, 

renitente, eu não aceitava.


A universalidade

feminina no patriarcado:

SER SUBJUGADA!


Mulher, 

Mulheres. 


A velha sina predestinada

que mesmo ante o abismo
jamais será ponte, caminho, estrada. 


Abraça lento com sutis tentáculos

vestidos de amor e convida 

à repetição de labirintos floridos.


De todo o zunido do vento

das ladainhas e cantilenas empoeiradas


dos gritos surdos do casamento

guardei aquelas sábias palavras


da mãe-coragem de nossos tempos  


De tanta vida calejada,

ela pariu o horror

estranhado no espelho.


E mais uma vez, me mostrou 

sem melindres, nem volteios

a violência

que um dia chamei de amor.



28/10/2019 - 21/04/2025


Hoje, entendo como foram anos de violência: gritos, controle, manipulação, socos e chutes na parede. Surtos pra eu fazer o que ele queria. Inclusive paguei um TCC pra ele (depois dele surtar comigo sobre isso) e fui proibida de contar isso pra qualquer pessoa. Violência política quando estivemos no mesmo partido: ele operava pra me silenciar, me deslegitimar e me apagar politicamente. Em casa, falávamos de questões internas, ele encaminhava o papo com críticas severas e eu, nas reuniões, por muitas vezes expunha essas críticas (depois de ter concordado com a opinião dele) enquanto eu era a pessoa que criticava, ele esperava pra se colocar como "mediador" do debate. Ele se reunia em paralelo com pessoas da organização, inclusive mulheres, quando nessas conversas, ele me queimava, insinuava que minha condição de dirigente se devia a ele, contava mentiras deslavadas sobre mim. Isso são só alguns relatos.

MANIFESTO PELA SIMPLICIDADE DO QUE PODERIA SER




MANIFESTO PELA SIMPLICIDADE DO QUE PODERIA SER

(ou um breve delírio idealista -
daqueles próprios das grandes paixões)

Entre tantos "ses"

deparo-me com o que é.


Mais complexo que cogitar,

elucubrar

e tanto fantasiar...


É a vida que se monta em cada sina;

As escolhas que fazemos 

                    e desfazemos

                                          a cada dia.


Daqui, de longe, vejo admirada 

                                  a tua vida

que segue e movimenta

Sou feliz por tua partida!


– que não paremos nunca! –


Que tuas pernas caminhem 

pelos novos ares que se anunciam

como diria Drummond: o mundo é grande! 

E que siga tua própria trilha.


As suas pernas, amor, 

são pra atravessar fronteiras, ousar caminhos, respirar o mundo,

saltar barreiras…

E quem sabe,

entrelaçar nas minhas. 

Ai que delícia seria!


Tome nota, meu bem:

Ainda vamos gemer juntos um dia!

de prazer e de alegria 

por existirmos, apesar de tudo... 


É fato, bebê... 

sempre estivemos distantes!

Órbitas distintas, eu sei…

mas por entre abismos e pontes:

Caralho! Que tesão gigante!


Depois de tanta ladainha 

de uma bêbada seminua 

no meio da cozinha… 

(rsrsrs amei essa rima)


Que sejam situadas as coisas:


Poxa! Que incrível seria 

a simplicidade de apenas ser

apenas sentir

apenas prazer.


Num único dia... 

sem contratos cartoriais 

e nem juras matrimoniais

Sem o velho amor romântico

que mofa por ai nas estantes

de tantas paixões vazias


Trocar contigo um tantinho mais

Permitir o riso solto 

que brota dos poros,

porque assim nos forjamos: 


No belo que se reivindica estranho

à seriedade sisuda das relações protocoladas/previstas/malditas/medidas
do insosso cotidiano.


Quebra as barreiras

Rasga as cortinas!

Aqui pulsa intenso…

Rizomáticos, palhaços, encantadores seres humanos!


Entre gemidos e piadas,

assim, imagino nós!

Apaixonantes e canalhas - loucos e intensos - que riem da vida

e que a seguem bem a sós.



(2021-2025)


SIMPLES E PERMANENTE


SIMPLES E PERMANENTE

Quais questões são nossas e quais nos são impostas?

Entre a mulher ideal 

e as que negaram essa sina,

compartilhamos as dores e o mal

que nos atravessam a cada dia


Nos forjamos leoas

nos cabelos e na postura

ser menos cordeiras

e olhar a carne crua

mais desordeiras 

e em matilha, a gente desestrutura

essa ordem podre

que o sistema perpetua.


(março, 2025)


quarta-feira, 23 de outubro de 2024

FULIGEM

 


FULIGEM



fragmentos de vidas ceifadas

partículas de biodiversidade 

                            devastada


Bicho, planta, planta, bicho 

como num passe de mágica

viram pó, poeira, resquício. 


a fuligem acena o futuro

invade a cidade

numa revoada sem rumo

tinge a paisagem 

de cinza-fúnebre profundo.


Bicho, planta, planta, bicho

não adianta perguntar

o que você tem a ver com isso

só tenta respirar 

com o seu negacionismo


a cortina de fumaça

revela o íntimo antagonismo

entre humanidade e capital

quase à beira do precipício


mas então… você pergunta

que fazer diante disso?


quisera eu acreditar 

que com a chuva tudo passou

e nem mais recordar 

a moça com nome de flor


Bicho, planta, planta, bicho

não adianta se esquivar 

nem um mísero milímetro

enquanto o agro avançar,

é barbárie ou socialismo.


entre o caos ecoa 

um rouco e certeiro grito:

Reforma agrária popular

Pelo fim do ecocídio!



16/09/2024



sábado, 15 de junho de 2024

VULCÂNICAS


 

VULCÂNICAS 


                                                             Para as mulheres  

que se traduzem em poesia



Que seres são esses

que transbordam vísceras

quentes e espessas

que destroem e criam

paisagens inteiras?


Tecem vínculo estranho 

ao cotidiano 

entrelaçam mãos e afetos

como casulo-gesto 

da negação de um mundo tirano


Erguem moradas acolhedoras,

apesar dos encanamentos que insistem em

gotejar antigas dores.

Grupalizam,

apesar do encapsulamento que persiste

no eterno hoje.

Atiram palavras-molotov

explodem em declarações de guerra 

e de amores.


Trançam manifestos por novos voos

asas abertas e peito ao vento 

subvertem a moral  

conspiram contra o bom senso


Travam batalhas 

no corpo público-político,

palco, picadeiro, trincheira

Barricadas e granadas

lhes acompanham ao largo de uma vida inteira


Vão entre o que vive 

o preço do feijão, do café, do sabão  

que limpa a sujeira do trabalho reprodutivo 

não pago e não visto

que desde cedo carregam nas mãos. 


Poetas,  

vertem o sentimento do mundo 

que brota pelos poros.

Oceânicas,

carregam uma imensidão de águas

que limpam os velhos destroços 

Vulcânicas, 

transbordam em erupção o novo

que reluz no brilho de seus olhos.



15/06/2024

sexta-feira, 14 de junho de 2024

QUARENTENA


 QUARENTENA



Aprende, vai!

Não entendeu ainda?

Olha esse aplicativo aqui.

Esse é pra dar aula,

O outro pras reuniões,

O outro pra gravar vídeos,

O outro pro podcast.


Quero ver!

Tem que mostrar trabalho,

Tem que ser de qualidade

E eficiente.


Assim que é bom

Flexível

Ajustável

Disponível

Modelável.


Polivalente!

Gostei.

Cadê o sorriso?

Tem que ser descoladão!


Posta nas redes, 

vai!

Orgulho da firma!


Faz coraçãozinho,

vai!

Professora linda!


Nem vamos mais

Cortar o seu salário.

Nem vamos mais

Suspender o seu contrato.


Não, não!

Nada de olhar pro lado!

Foco e produção!


Não, não! Não olha!

Ignora que milhões

estão à mercê.


Não, não! Não olha!

Ignora que milhões 

Podem morrer,

Inclusive você.


(abril de 2020)