segunda-feira, 24 de setembro de 2012

POR QUE A LUTA FEMINISTA DEVE SER CONTRA A FAMÍLIA MONOGÂMICA?





Bom, ao tratar de assunto tão delicado, devemos iniciar categorizando o que concebemos como monogamia:


Etimologicamente, a palavra se forma a partir do Grego MONOS, “um, único”, mais GAMEIN, “casar”. Porém, infelizmente, não é apenas esse conteúdo que a palavra monogamia carrega consigo. 


MONOGAMIA, na sociedade capitalista, diferente do que a ideologia burguesa/patriarcal apresenta, não é a livre vontade de se relacionar afetiva-sexualmente apenas com uma única pessoa, como “naturalmente” acontece, ou poderia acontecer. Se assim fosse, não haveria problema algum!


Para compreendermos o significado que a palavra monogamia traz consigo, desde sua origem, se faz necessária uma contextualização histórica:


A família monogâmica, isso é, a noção de propriedade de um indivíduo sobre o outro, funda-se na transição para a sociedade de classes, aquela em que uma parte da sociedade, a classe dominante, explora a outra e majoritária parte da sociedade.


A passagem histórica de sociedades comunais para sociedades de classes, traz consigo o surgimento da propriedade privada, do trabalho alienado (explorado), e um instrumento especial criado pela classe dominante para organizar, controlar e aplicar cotidianamente a violência, o Estado.


Nesta transição, as relações históricas até então concebidas em caráter coletivo, como o cuidado das crianças e as demais tarefas domésticas, passam a adquirir a condição de relações PRIVADAS. Fica, então, restrito ao “lar” o espaço de atuação das mulheres e todas as suas atividades ligadas ao âmbito da reprodução da vida (cozinhar, limpar a casa, cuidar dos filhos, etc).


Aos indivíduos masculinos, competem as demais tarefas, associadas ao âmbito produtivo e aos espaços públicos (à política, inclusive). Cabe aos homens o poder das ferramentas, da propriedade privada, serão eles os maridos. Às mulheres cabem as atividades que não geram a riqueza privada: serão esposas ou prostitutas. Com esta conformação social, compete aos homens o “provimento” de suas mulheres; e estas devem “servir” aos seus senhores, em uma relação social nova, que não existia até então: trata-se de uma RELAÇÃO DE PODER estabelecida a partir da DIVISÃO SEXUAL DO TRABALHO.


A família, tal como hoje a conhecemos, não surge como resultado do amor entre os indivíduos. Surge historicamente como a propriedade patriarcal de tudo o que é doméstico.


Ao referenciar o poder do homem, e a separação dos espaços públicos X privados, a família monogâmica passa a moldar o que é ser homem e o que é ser mulher (constituindo os gêneros masculino e feminino) em nossa sociedade. Tal fato interfere inclusive no desenvolvimento da sexualidade de ambos: ao homem compete, a todo momento, afirmar sua sexualidade (o ideal de macho alfa), enquanto a mulher deve negá-la, condicionando o sexo apenas para fins reprodutivos: gerar herdeiros que possam perpetuar a acumulação de riqueza da família. Daí a necessidade da garantia de que o filho será mesmo do marido através da exigência da virgindade da esposa – por isso, tradicionalmente, cabe ao primogênito masculino a herança.


É muito importante destacar que esses papeis foram definidos em termos de "homens" e "mulheres", justamente como decorrência da divisão sexual do trabalho nas sociedades primitivas. A base biológica é determinante nesta divisão, entretanto, com o desenvolvimento do ser social, há um distanciamento cada vez maior dessas bases biológicas, constituindo papeis nas relações afetivas e sociais que não são delimitados apenas em relação ao gênero. 


A família monogâmica se constitui, portanto, em uma relação de opressão — nem consensual, nem autônoma.


Espero que tenha ficado claro que um relacionamento a dois não é necessariamente uma relação de opressão e ficamos muito felizes com a possibilidade de que, ainda que em germe, muitos e muitas lutem para construir relacionamentos afetivos emancipados, livres de qualquer opressão. 


Ao falar da FAMÍLIA MONOGÂMICA, estamos tratando de um complexo social que envolve historicamente uma relação de opressão (entre homens e mulheres, mas que pode se expressar em relações homo-afetivas também). Opressão esta que tem como mediadores o Estado, a propriedade privada e o trabalho alienado.


Sendo assim, devemos LUTAR contra a família monogâmica, pois ela se constitui de uma forma histórica e naturalizada de opressão/dominação nas relações afetivas!


Está claro para nós que a família monogâmica não comporta a totalidade das necessidades e possibilidades de desenvolvimento do gênero humano! Por isso, parte da construção de um projeto contra hegemônico da classe trabalhadora inclui o forjar de um novo ser humano que se paute em relações livres no sentido mais pleno desta palavra!


Defender que as relações afetivo-sexuais sejam COMPLETAMENTE LIVRES não significa impor modelos de relacionamentos (se a duas ou mais pessoas). Pelo contrário, é a defesa de que qualquer tipo de relacionamento (QUALQUER TIPO!) não deve ser pautado pela propriedade privada, pelo machismo, ou pelo Estado, incluindo a noção de posse de uma pessoa sobre a outra!


Lutamos por uma nova forma de organização da vida social, uma sociedade emancipada das relações de exploração e opressão. E, para que esta sociedade seja possível, é imprescindível superar também a atual forma de família.


Somos favoráveis à liberdade mais completa para que as pessoas possam viver seus amores com a maior intensidade e a maior autenticidade. Superar a família monogâmica é decisivo para a constituição de uma sociabilidade que possibilite o desenvolvimento universal e pleno dos indivíduos. E, para que isso se torne possível, é imprescindível superar a sociedade capitalista e o machismo.


24 de setembro de 2012



O conteúdo deste debate foi retirado do texto “A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado” 1979, de Engels. E também do texto “Abaixo a Família Monogâmica” de Sérgio Lessa, disponível em http://rederelacoeslivres.wordpress.com/2010/09/17/3455/