quarta-feira, 23 de outubro de 2024

FULIGEM

 


FULIGEM



fragmentos de vidas ceifadas

partículas de biodiversidade 

                            devastada


Bicho, planta, planta, bicho 

como num passe de mágica

viram pó, poeira, resquício. 


a fuligem acena o futuro

invade a cidade

numa revoada sem rumo

tinge a paisagem 

de cinza-fúnebre profundo.


Bicho, planta, planta, bicho

não adianta perguntar

o que você tem a ver com isso

só tenta respirar 

com o seu negacionismo


a cortina de fumaça

revela o íntimo antagonismo

entre humanidade e capital

quase à beira do precipício


mas então… você pergunta

que fazer diante disso?


quisera eu acreditar 

que com a chuva tudo passou

e nem mais recordar 

a moça com nome de flor


Bicho, planta, planta, bicho

não adianta se esquivar 

nem um mísero milímetro

enquanto o agro avançar,

é barbárie ou socialismo.


entre o caos ecoa 

um rouco e certeiro grito:

Reforma agrária popular

Pelo fim do ecocídio!



16/09/2024



sábado, 15 de junho de 2024

VULCÂNICAS


 

VULCÂNICAS 


                                                             Para as mulheres  

que se traduzem em poesia



Que seres são esses

que transbordam vísceras

quentes e espessas

que destroem e criam

paisagens inteiras?


Tecem vínculo estranho 

ao cotidiano 

entrelaçam mãos e afetos

como casulo-gesto 

da negação de um mundo tirano


Erguem moradas acolhedoras,

apesar dos encanamentos que insistem em

gotejar antigas dores.

Grupalizam,

apesar do encapsulamento que persiste

no eterno hoje.

Atiram palavras-molotov

explodem em declarações de guerra 

e de amores.


Trançam manifestos por novos voos

asas abertas e peito ao vento 

subvertem a moral  

conspiram contra o bom senso


Travam batalhas 

no corpo público-político,

palco, picadeiro, trincheira

Barricadas e granadas

lhes acompanham ao largo de uma vida inteira


Vão entre o que vive 

o preço do feijão, do café, do sabão  

que limpa a sujeira do trabalho reprodutivo 

não pago e não visto

que desde cedo carregam nas mãos. 


Poetas,  

vertem o sentimento do mundo 

que brota pelos poros.

Oceânicas,

carregam uma imensidão de águas

que limpam os velhos destroços 

Vulcânicas, 

transbordam em erupção o novo

que reluz no brilho de seus olhos.



15/06/2024

sexta-feira, 14 de junho de 2024

QUARENTENA


 QUARENTENA



Aprende, vai!

Não entendeu ainda?

Olha esse aplicativo aqui.

Esse é pra dar aula,

O outro pras reuniões,

O outro pra gravar vídeos,

O outro pro podcast.


Quero ver!

Tem que mostrar trabalho,

Tem que ser de qualidade

E eficiente.


Assim que é bom

Flexível

Ajustável

Disponível

Modelável.


Polivalente!

Gostei.

Cadê o sorriso?

Tem que ser descoladão!


Posta nas redes, 

vai!

Orgulho da firma!


Faz coraçãozinho,

vai!

Professora linda!


Nem vamos mais

Cortar o seu salário.

Nem vamos mais

Suspender o seu contrato.


Não, não!

Nada de olhar pro lado!

Foco e produção!


Não, não! Não olha!

Ignora que milhões

estão à mercê.


Não, não! Não olha!

Ignora que milhões 

Podem morrer,

Inclusive você.


(abril de 2020)


OLHA A MERCEDES

 


OLHA A MERCEDES



"Olha a Mercedes"

Ouvi isso várias vezes.

Gente vazia de corpos bonitos

E mentes que tantas vezes flertam

com o fascismo.


Culto ao deus dinheiro

A casa do veio careca,

do sempre jovem Ney,

De não sei mais quem...


Ídolos, símbolos

Que projetam sonhos

Ocupam o imaginário popular

Modelos irrealizáveis de vida 

"Com esforço e sorte é possível alcançar"

Se "der certo": fama, dinheiro e o que mais desejar


Amortecedor da rebeldia

Que desloca da raiva

Para a meritocracia

Naturaliza a desigualdade

Idolatra a mercadoria


Nojo do senso comum

E reacionário 

Que cresce entre meu povo

Dessa gente racista 

Que aprendeu a pagar pau 

Pra burguês escroto

E ao invés de seu antagônico rival

O vê como quem de fora da vitrine

Almeja um mundo novo.


Mais uma vez, é engodo!


Seduzidos pela desigualdade,

Encantados com a concentração de riqueza

Estranhamente, não passa na cabeça 

Nem um segundo que seja

A noção de que o luxo deles

É a exata medida de nossa pobreza?


Contrastes e antagonismos

A existência inconciliável 

De polos que somente pacificam 

Na cortina ideológica do capitalismo


E meus pobres olhos de poeta mulher militante 

Já não podem desver

Já não podem ignorar 

A estrutura de classe que grita nesse lugar 


Ao observar tamanho deleite 

Com a porção da cidade que nem de perto lhe pertence 

Não há páscoa que se sustente


Esses são os cristãos e bons 

Cidadãos cheios de moral

Que cospem violência, vomitam preconceito, 

Para comer na páscoa com bacalhau

Sobre tormentos e tumultos infantis 

De meninas crianças que vivem tamanho mal 

A violência em casa 

Escancarada e sutil 

  • À portuguesa.


Entre abraços cínicos e

Sentimentos confusos.

Ontem ele a agrediu. 

Hoje é coelhinho da páscoa 

E o bom cristão se reabilita

Finge que nada aconteceu 


Olha a Mercedes

O conversível 

E as coisas seguem brilhando mais

Do que humano possível 

O amor de Cristo reluz

Mais no Rolex 

Do que teu símbolo na cruz


Páscoa de 2024

TODO MUNDO RIMA

 



TODO MUNDO RIMA



                                          Para as aulas de hip hop 

                                                          e poesia falada.


Não tem rima certa

nem tem rima errada

Não existe rima pobre

nem rima quadrada.


Bota pra fora 

e que se dane a métrica.

Rima é sentimento

não é sobre estética.


Todo mundo tem palavras

- uma rima dentro de si

E quem desacreditar

você deve destruir.


Não existe tímido

mas intimidado

Então a plenos pulmões

mande seu recado.


Porque o que o sistema quer

é que você fique calado

Resistência 

é deixar o seu legado

ainda que poucos entendam

Pega o que te angustia

e transforma em rima


Pois todos somos poetas

todos somos poesia!


Como disse o poeta…

Sabotage

Rap é compromisso

não não não não não

não é viagem


Então bora falar, 

escrever, declamar

Sabendo que o aprendizado é coletivo

Procedência, atitude, objetivo


Erros e acertos fortalecem o bando

Então, sem vergonha de si e de cara lavada

Escreva, se mostre, aprendendo e ensinando

nessa nossa breve caminhada.



março de 2024